segunda-feira, 27 de junho de 2011

A batida certeira dos Congos de Oeiras

 
 
Os homens se vestem de mulher. Usam até maquiagem. São todos negros. A dança e a música vêm da África e são usadas para louvar santos da igreja católica. A igreja, por sua vez, apóia o movimento, apesar dos maracás, pandeiros, triângulos e bumbos que fazem lembrar as músicas de um culto afro. É o samba do crioulo doido? É não! Falo dos Congos de Oeiras, um dos mais representativos grupos de congo do país. Para quem não sabe, Oeiras foi a primeira capital do Piauí e guarda hoje boa parte do patrimônio histórico e cultural do Estado. Lá existe um bairro que antigamente, nos tempos do Brasil Colônia, era habitado apenas pelos negros. Foi no bairro do Rosário que o grupo de congo se formou e começou a louvar em terras piauienses a santa de devoção dos africanos que viviam escravizados no Brasil, Nossa Senhora do Rosário. Havia na época duas igrejas em Oeiras, a de Nossa Senhora das Vitórias (padroeira do Estado), que foi a primeira igreja do Piauí e na qual os negros não podiam entrar; e a de Nossa Senhora do Rosário, que guarda até hoje a marca da segregação da época da escravidão: uma linha que divide o espaço onde os negros eram obrigados a ficar. Voltemos a 2006. O grupo que existe hoje não tem ligações de sangue com os primeiros congueiros. É bom ressaltar que o Congo acabou em meados de 1937 – os motivos ninguém sabe ao certo, talvez por causa da proximidade do período das guerras; ou pela chegada do ‘progresso’ a Oeiras, em forma de luz elétrica; pode ter sido também pela migração dos homens simples em busca de melhores empregos e salários no sul maravilha...enfim, segundo os próprios congueiros de hoje, não há um consenso sobre os motivos.O certo é que a tradição foi resgatada em 1985 e desde então o grupo vem crescendo e contribuindo para o aumento da auto-estima do povo negro lá do bairro do Rosário. O que era apenas uma festa local agora começa a ganhar o Brasil. Esta semana os Congos de Oeiras estão participando pela segunda vez do Festival do Folclore de Olímpia, no interior de São Paulo, que reúne os melhores e mais representativos grupos folclóricos do país.“Seu” Sebastião Vital de Sousa, 57 anos, é um dos fundadores do grupo. Ele fala orgulhoso da participação no Fefol do ano passado e das suas expectativas para este ano. “O que mais me marcou foi ver o povo lá de Olímpia, acostumado a ver os melhores grupos folclóricos do Brasil, dizer que nós somos o mais autêntico grupo de congos. Disseram isso porque não estilizamos nada, dançamos e cantamos da mesma forma como era feito no começo”, diz.Na apresentação dos congueiros de Oeiras não existe uma divisão entre quem canta, quem toca e quem dança. Todos os homens fazem tudo, ao mesmo tempo. Isso é que é bonito de ver.Perguntei ao Albino Apolinário, outro congueiro, quantas vezes eles ensaiavam por semana. Sim, porque vendo a sintonia no palco dá para pensar que eles não fazem mais nada, só entoam seus cantos e ensaiam seus passinhos marcados. Que nada! “A gente só ensaia quando tem alguma apresentação. O grupo é muito sintonizado e todo mundo sabe direitinho o que tem que fazer, quando tem alguma apresentação especial como hoje (eles se apresentaram no Teatro João Paulo II, em Teresina) ou o Festival de Folclore, a gente ensaia uns dias antes, mas só para desenferrujar mesmo”, revela.Os Congos de Oeiras tradicionalmente se apresentam na cidade natal em duas datas específicas: os festejos de São Sebastião e São Benedito, em janeiro, e de Nossa Senhora do Rosário, em outubro. “A gente canta e dança na frente das igrejas, os padres e os católicos apóiam e aplaudem, mas de longe”, comenta Washington Luís, um dos mais novos do grupo. Vale lembrar que entre os maiores incentivadores do renascimento do grupo estão um padre – Pe. João de Deus - e uma freira – Irmã Filomena - que acompanharam tudo desde o início e trabalharam no bairro do Rosário durante muito tempo.É ele quem explica o porquê de os congueiros usarem roupas de mulher. “Antigamente, só as mulheres podiam louvar a Nossa Senhora. Não ‘ficava bem’ que o homem também fizesse isso. Então os mais devotos pegavam emprestadas as roupas e maquiagens das suas senhoras e iam louvar a santa, cantando e dançando como as mulheres”.E falando nas mulheres, qual o papel delas nessa história toda? “Cuidamos das roupas e das maquiagens deles, lavamos, passamos e organizamos tudo para que a apresentação saia perfeita. E sempre que é possível, viajamos para acompanhar nossos maridos e filhos”, explica dona Maria Lúcia de Sousa, mulher do “seu” Sebastião.Ela diz que os Congos são um dos grande orgulhos de Oeiras e principalmente dos negros do bairro do Rosário. “É uma coisa bonita de ver, gostosa de ouvir. Todo mundo que assiste gosta, isso para nós é importante, aumenta nossa auto-estima e dá força para continuar com o grupo”.Quem estiver por perto de Olímpia essa semana não pode deixar de ir conferir o 42º Fefol. As apresentações dos Congos de Oeiras acontecem nos dias 12 e 13 de agosto. Para entender o Congo:Os congos vieram da África e representam basicamente a atividade de uma corte africana, que recebe a visita de um embaixador de outro país. O rei conta com a ajuda do seu ordenança e do secretário para convencer o visitante a louvar a Virgem do Rosário e a fé do seu povo.A música é bem ritmada e a dança é feita com pulinhos e muita ginga, que fazem rodar as saias dos congueiros. Eles usam chapéus afunilados e tocam algum instrumento: maracás de flandres, bumbos, triângulos e pandeiros. Existem grupos em vários cantos do Brasil, mas poucos se mantém fiéis às origens africanas, o de Oeiras é um deles

Nenhum comentário:

Postar um comentário